Terra Incognita: Diários de Viagem

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Relatos de Duas Turnês do Coletivo CrimethInc. nas Chamadas Américas

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Apresentamos uma coleção de relatos de duas viagens nas quais membros da rede CrimethInc. saíram em turnê lançando publicações e promovendo debates sobre anarquismo e lutas anticapitalistas em diferentes partes do mundo. Ao todo, visitamos 72 cidades nos Estados Unidos, México e Brasil.

A primeira turnê reuniu participantes de agitações e movimentos sociais de 6 países falando sobre suas experiências locais para públicos em 59 eventos, passando por 57 cidades dos Estados Unidos e Tijuana no México ao longo de 65 dias. As falas acompanhavam o lançamento do panfleto e da campanha Para Mudar Tudo – um chamado anarquista. A segunda viagem contou com 3 pessoas percorrendo 15 cidades em 7 estados brasileiros para lançar e divulgar o livro Da Democracia à Liberdade, promovendo 21 eventos com debates sobre o tema e sua relação com as lutas revolucionárias atuais.

Editado por camaradas brasileiros, essa publicação reúne e expande relatos em português publicados anteriormente em nosso site em 2015 e 2019, reportando centro sociais, ocupações, cooperativas, conhecendo movimentos e organizações populares que trabalham para construir um mundo livre da opressão do estado, do capital, do patriarcado e do racismo – e estender a solidariedade para além de qualquer fronteira imposta.

Visitar e testemunhar tais espaços, comunidades e suas experiências de vida e organização pode ser inspirador para qualquer pessoa buscando alianças e referências sobre como se articular localmente e em redes internacionais de enfrentamento a esse sistema desigual e degradante.

Se construímos uma rede internacional que não respeita fronteiras para nos organizar e nos apoiar, devemos buscar formas coletivas, ousadas e ambiciosas de ativar essa rede, mantê-la viva, atuante e sempre intercambiando e buscando novos desafios e soluções.

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Do Sul para o Norte

“O mundo não está dividido entre países. O mundo não está dvidido entre o Oriente e o Ocidente. Vocês são americanos, eu sou irania-na, não nos conhecemos, mas conversamos juntos e nos entendemos perfeitamente. A diferença entre você e seu governo é muito maior do que entre você e eu. E a diferença entre mim e meu governo é muito maior do que entre eu e você. E nossos governos são muito parecidos.”

–Marjane Satrapi

Os relatos aqui presentes buscam inverter uma tendência muito comum quando temos o intercâmbio entre norte e sul globais, que privilegia o fluxo de informação e conhecimento que parte do norte, Europa e EUA, rumo ao sul global e periférico do capitalismo. Refletem sobre os lugares de luta vistados e que marcam a história da luta dos povos oprimidos de todo o mundo: Haymarket em Chicago, que deu origem ao 1º de Maio, a rua do bar Stonewall Inn, onde os Levantes de Stonewall em 1969 marcaram o dia do orgulho LGBTQI+.

É, sem dúvida, incrível poder atravessar esses espaços e ser atravessado por essas histórias. Mas ainda temos muito o que falar e divulgar da memória de territórios e episódios como o Quilombo dos Palmares no nordeste brasileiro ou o Día de la Juventud Combatiente no Chile. Quantas datas e territórios de nossas lutas deveriam simbolizar algo maior não só localmente, mas globalmente? É possível que esse debate que não tenha fim tão cedo – se é que deve ter um fim. E talvez só mudará com as lutas ainda por vir e que decidirão o futuro das classes oprimidas, do capitalismo e da vida no planeta como um todo.

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Como afirma Marjane Satrapi – em uma frase que citamos diversas vezes –, as diferenças entre os povos e seus governos são muito maiores que a diferença entre o povo estadunidense e o povo brasileiro. E é com base nas semelhanças entre povos em luta que devemos construir alianças internacionais pelo fim da sociedade dividida em classes, nações, seus governos e todas as formas de opressão.

Editamos essa publicação enquanto ainda vivíamos em um mundo tomado pela pandemia da Covid-19 e sem vacinas no horizonte, quando viajar, se encontrar cara a cara, ainda não era a melhor coisa a se fazer. Quando espaços como os que visitamos organizavam ações de apoio mútuo e cuidados para manter suas comunidades ativas e saudáveis.

Esperamos que esses modestos relatos de viagem possam inspirar você e sua comunidade em seus projetos, sejam eles um centro social, uma cooperativa, um coletivo, um sindicato, uma jornada de lutas, um livro, um documentário ou uma viagem para conhecer e buscar formas de colaborar com todas aquelas que constroem uma vida diferente e um mundo novo dos escombros desse.

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Apêndice I: nosso “alcance” na era digital

Em tempos como os nossos, onde cada vez mais pessoas se dedicam à produção de conteúdo na internet, majoritariamente dependente das mídias sociais corporativas para ter alcance, dizer que falamos para audiências de 2 ou 3 mil pessoas nessas viagens soa como se nos contentássemos com “pouco”. Por mais que as páginas dos nossos movimentos e coletivos tenham dezenas de milhares de “seguidores”, dificilmente temos contato presencial e real com um número de pessoas próximo a isso.

É fundamental estudar, ler e nos informar de toda forma sobre as lutas do passado e de outros lugares. Mas estar ali, levar um pouco de nossa casa, conhecer essas histórias de vida e esses lugares lindos e assustadores, poder levar um pouco de nossa bagagem para trocar, é algo que não pode ser equiparado ao mundo espetacular que nos é oferecido diariamente pela mídia tradicional, pela escola, por livros ou as recentes mídias sociais.

Se não nos jogássemos na estrada para estabelecer esses contatos, não ouviríamos a canção do povo O’odham para nos receber em seu território, não conheceríamos os relatos em primeira mão de imigrantes e de pessoas solidárias enfrentando o terror das fronteiras anonimamente, não conheceríamos as florestas, desertos, montanhas, nem o interior dos centros sociais que serviram de estrutura para lutas sociais como os levantes em Baltimore e Ferguson. Não teríamos conhecido Eronildes e nem saberíamos que Brad Will é lembrado e homenageado em Goiás pela mesma comunidade que ele apoiou e se arriscou para registrar o horror de um despejo executado pela PM.

O mundo virtual que se expande cada vez mais sobre nossas vidas e cada milímetro de nossa subjetividade é capaz de moldar a forma como vemos e atuamos no mundo, buscando uma imagem do que não existe, seja de mundo ou dos nossos próprios corpos, uma representação sem objeto, condicionando nossas ações a se tornarem também símbolos e imagens de luta – nunca uma luta real. Usar os meios como uma ferramenta, assim como usamos para divulgar eventos ou protestos, compartilhar livros ou artigos, fotos ou vídeos, é uma coisa. Achar que isso basta ou é sequer tão relevante quanto o trabalho real são os piores erros que podemos cometer, tornando individual, simbólico e ineficaz qualquer luta por um mundo livre de verdade. Somente o trabalho cotidiano, coletivo, real, arregaçando as mangas e pisando no chão, olhando nos olhos de camaradas com a mesma disposição é o que vai nos garantir algum avanço. A comunicação imediata global, nossas mídias digitais ou impressas serão apenas um complemento às lutas reais e concretas.

Isso explica o que buscamos com essas viagens. Foram as alianças reais que nos permitem fazer turnês e voltar para casa, para nossos movimentos, ocupações, coletivos, comunidades e construir uma outra vida.

Esperamos que esse relato motive quem lê a não se contentar com o texto, com o mapa, com a imagem, e buscar a luta real nos mundos reais. Nos vemos nas estradas ou nas barricadas!

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Apêndice II: vídeos e áudios

Abaixo, dois vídeos da nossa turnê pelo Brasil 2019, em inglês com legendas em português. Você também pode ouvir gravações de áudio em inglês de uma de nossas falas ao vivo na nossa turnê de 2015 pela América do Norte aqui.

Resistência Anarquista na Era Trump - Part 1/2.

Resistência Anarquista na Era Trump - Part 2/2.

Da Democracia à Liberdade - Part 1/2.

Da Democracia à Liberdade - Part 2/2.